Quando eu era pequena, minha mãe trabalhava fora e eu passava minhas tardes no apartamento da minha vó. Eu passava meu tempo lendo gibis, escrevendo na máquina de escrever, decorando as capitais do mundo, enfim... coisas que crianças normais (não) fariam. Era comum eu estar na cozinha, o interfone tocar e a vó pedir pra eu ficar sentada quietinha ou ir pra sala enquanto chegava a visita. (Não, ela não era traficante). Ela preparava o tijolo, a vela e a xícara com água benta. Era hora da benzedura.
Enquanto ela falava as rezas baixinho, fazendo gestos com a vela, eu me segurava pra não rir. Nunca entendi aquele monte de coisas que ela falava. Achava graça naqueles sussuros indecifráveis. Benzer das bichas? Cobreiro? Bugre? Vai entender... Sei que tempos depois, era comum aparecerem presentes, principalmente frutas, legumes. Tudo isso como forma de agradecer a graça atendida, o mal que foi curado.
Os anos passaram, minha vó não está mais aqui, mas tive uma oportunidade de entender melhor algumas coisas sobre ela. Acabei de sair da estreia do documentário A Sagração do Cotidiano Benzeduras, dirigido pela Janete Kriger, roteiro da Alessandra Rech e produção da Spaghetti Filmes. Tive a alegria de ajudar na produção desse trabalho, visitar os personagens e entender um pouco mais sobre essa prática.
O documentário é um registro de uma tradição que até hoje existe, mas que aos poucos tende a acabar. Seis benzedeiros contaram e mostraram um pouco sobre essa rotina de "curar através das palavras". Em sua grande parte, senhoras que aprenderam muito cedo a benzer e hoje não tem a quem repassar esses conhecimentos pela falta de interesse. As pessoas aparecem sempre por indicação de alguem, na esperança de curar males que nem médicos consguiram. Nunca se cobra, as pessoas doam se quiserem, o que quiserem. A missão dessas pessoas é fazer o bem com palavras.
Para quem perdeu a primeira sessão, tem repeteco no domingo, dia 9, às 18h30min, na sala de cinema do Centro de Cultura Ordovás.